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Carreira e Mercado

Por: HSM/ Hsm Experience, em 6/25/2021

A transição para o Futuro do Trabalho

Como as lições da história, os cenários projetados e o benchmarking com os experimentos atuais podem ajudar você a começar uma transformação agora?

 Você já ouviu falar em Mary Anning? Na primeira metade do século 19, essa inglesa fez uma impressionante série de descobertas de “dinossauros” marinhos e voadores, como um ictiossauro, um plesiossauro e um pterossauro. Ela trabalhava sozinha na região de Lyme Regis agachada na praia com seu machado. Recentemente, o renomado paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould lhe fez um tributo, dizendo que ela descobriu diretamente ou apontou o caminho até quase todas as espécies importantes.

Anning levou mais de um século para ser reconhecida pelo Museu de História Natural de Londres, onde estão seus fósseis – ganhou uma placa em 1990. Não por ser mulher, embora isso não a tenha ajudado, mas, principalmente, por ser uma paleontóloga não oficial. Anning não estudou formalmente nem era ligada a nenhuma instituição acadêmica; tratava-se de uma empreendedora (vendia os fósseis) e era autodidata. Tipo de profissional do passado que pode voltar a prevalecer no futuro, ela é citada no livro The History of Work, de Richard Donkin, jornalista que por 14 anos escreveu uma coluna semanal no Financial Times.
O homem moderno surgiu 100 mil anos atrás e durante 99.800 quase nada mudou no modo como trabalhava. Só que, nos últimos 200 anos, há uma transformação acelerada, que gerou muita riqueza, e agora chegamos a um ponto de inflexão. O que já se sabe é que a mentalidade autodidata e a habilidade do empreendedorismo são duas das novas características-chave do novo trabalhador – ao lado de resiliência, o que vem no pacote empreendedor, e Anning também parecia ter de sobra, já que aguentava o desprezo da sociedade da época.

Porém, a inflexão não ocorrerá sem dor. Projeções como as do economista sueco Carl Benedikt Frey e do especialista em inteligência artificial britânico Michael Osborne, da University of Oxford, indicam que 47% dos empregos existentes hoje nos Estados Unidos estarão ameaçados pelos robôs até 2030. Um estudo realizado por acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) projetou uma ameaça ainda maior no Brasil: 54% dos empregos em risco.

Isso se deve sobretudo às tecnologias digitais da quarta revolução industrial, é claro. Mas não apenas. Conforme a consultoria EY, outros fatores de influência são o envelhecimento da população, a exigência das empresas de ter uma equipe mais engajada e o fato de 75% da mão de obra em 2025 já ser de millennials, propensos a pedir demissão fácil, por exemplo – quando a tecnologia usada ali não os satisfaz.

O futuro já chegou. a transformação acontece em duas etapas: primeiro, vem a economia gig; depois, a economia das máquinas

Não se trata de futurismo, mas de presentismo; esse futuro já chegou. A transformação acontece em duas etapas, como explica a EY: primeiro, vem a economia gig; depois, instala-se a economia das máquinas. Ao menos nos EUA, onde as estatísticas são fartas, a economia gig se espalhou: 62% das empresas já atuam com força de trabalho “flex”. Espera-se que, em 2020, uma em quatro empresas tenha 30% de seus colaboradores sem vínculos.

A falta de engajamento das pessoas nos empregos e a filosofia da geração da internet, de que a verdadeira segurança é trabalhar para si mesmo, é um sintoma disso. Na disputa por empregos, Frey enxerga vantagens comparativas humanas na criatividade, na inteligência social, e na percepção e na manipulação de objetos irregulares –, mas acha que a disrupção será grande e rápida demais, e isso pode levar a um desastre na sociedade, uma vez que nossas identidades hoje são moldadas pelo trabalho (ou emprego). Por isso, escreveu o livro Saving Labour.

Já para Richard Donkin, é bom que nossas identidades não sejam mais moldadas por um empregador, e sim por nossas habilidades. Para ele, o modo como trabalhamos hoje lembra a sociedade escravocrata, e agora temos a chance de mudá-lo. A seguir, HSM Management compara as diferentes visões e a proposta antropofágica dos brasileiros no assunto.

Futuro

Muitos dos cenários do futuro do trabalho projetados até agora referem-se a 2030, mas, segundo Frey, esse futuro foi adiado para 2050 – ainda temos os próximos 30 anos para nos adaptar. A razão? As reações à tecnologia modelam sua adoção, como já ensinou o economista russo Wassily Leontief – e essas reações hoje não são tão positivas. Em 2012, o chamado “paradoxo de Gates” já deu uma pista disso. Foi quando o fundador da Microsoft observou que “a inovação está mais rápida do que nunca, mas a América está pessimista”.

Não é só a América. Vemos no mundo inteiro um descontentamento crescente com a automação vinda com a globalização, algo refletido na eleição de candidatos que prometem atrasar a adoção tecnológica de algum modo. No caso do Brasil, dois fatores contribuem para adiar o enfrentamento dessa questão: a população idosa ainda não é tão significativa – a tecnologia entra mais rápido em países que envelhecem mais rápido – e nossa internet ainda é bastante precária.

A consultoria PwC traçou quatro cenários cruzando o que acontecerá com as pessoas (tenderão mais ao coletivo ou ao individual?) e com as empresas (vão fragmentar–se ou integrar-se?). A aposta é que os quatro cenários vão coexistir. Aqui separamos os futuros projetados em negativos e positivos a fim de entendermos melhor os futuros em jogo.