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Diversidade

Por: Claudiene Mortimer, em 2/4/2021

Inclusão e diversidade, são sinônimos de acessibilidade

Confira essa reflexão sobre a diversidade e acessibilidade

 O Brasil tem 212 milhões de habitantes. Deste total, 45,6 milhões declaram ter alguma deficiência, 35 milhões têm miopia, quase 30 milhões têm mais de 60 anos e 13 milhões são iletrados ou analfabetos funcionais.

Além de serem brasileiras, qual outro fator que une essas pessoas? Todas são consumidoras, mas enfrentam alguma forma de barreira para acessar produtos e serviços. Sabendo disso, como podemos projetar soluções mais criativas, inclusivas e acessíveis para suprir as necessidades dessa parcela da população?

Cada usuário tem uma forma de experienciar um produto ou serviço. Esse processo será condizente ao seu círculo social, habilidades, momento de vida, familiaridade, necessidades e preferências. Isto é claro quando pensamos em nós mesmos. Mas por que não é tão claro quando falamos sobre populações vistas como “minorias”, com as quais muitos de nós não costumamos ter contato?

E a resposta já vem no enunciado: porque não vivenciamos o lugar em que não estamos. Se você não faz parte de nenhuma das populações citadas no início deste texto ou não conhece alguém que faça, com certeza não terá a percepção de como é estar nesses lugares.

E, provavelmente, você não tenha se dado conta de que, em algum momento da vida, você esteve ou estará em um desses lugares, seja de forma situacional, temporária ou permanente.

Tabela representativa com diferentes contextos que influenciam em nossas habilidades, que vão desde situacionais ao segurar um bebê no colo a condições permanentes. Imagem fonte: Inclusive design toolkit da Microsoft.
Então, enquanto sociedade, o que devemos e podemos fazer? Esperamos vivenciar uma dessas realidades para entregarmos soluções consideradas inclusivas e acessíveis? Não, mas de certa forma, sim. Ficou confuso, né? Vou explicar.

Comecemos pelo aspecto situacional. Você já tentou realizar uma tarefa no celular com apenas uma mão, porque a outra estava ocupada, e se sentiu frustrado porque precisou interrompê-la, pois dependia do uso das duas mãos para finalizá-la?

Tenho certeza que sim. Um exemplo comum é quando tentamos fazer um pagamento e precisamos deixar o código de barras bem posicionado para fazer a leitura com a câmera do celular. Dependendo do tamanho do aparelho, ambas as mãos serão necessárias para segurá-lo.

Imagine uma pessoa que não tem uma das suas mãos e precisa vivenciar essa barreira com qualquer atividade.

A solução não precisa ser complicada: basta projetar jornadas digitais que não necessitem posicionar o celular horizontalmente. Todos concordamos que é mais fácil segurá-lo com apenas uma das mãos quando ele está na vertical, afinal, essa é a forma que temos maior familiaridade e contato com as interfaces.

Outra situação pode ser bem recorrente para quem vai a consultas oftalmológicas: sabe aquele momento em que dilatam sua visão e você passa horas vendo tudo embaçado, com sensibilidade à luz e dor de cabeça? Já tentou utilizar o celular nesse meio-tempo? Digitar vira uma tarefa quase impossível, né? Precisou recorrer a ferramentas de voz ou ampliação de seu aparelho?

Pois é, se a interface foi projetada para funcionar bem com esses recursos, ótimo. Caso contrário, a opção é pedir ajuda a alguém ou deixar para fazer em outro momento (com a condição de que a tarefa não seja urgente).

Pessoas cegas ou com baixa visão passam por isso todos os dias.

Temporariamente, você pode ter uma ou mais habilidades comprometidas. Quem aí já imobilizou ou quebrou uma das partes do corpo? Precisou usar uma órtese ou prótese, bengalas, muletas? Levou quanto tempo para se recuperar? A adaptação foi desafiadora?

Eu mesma já passei por isso. Precisei fazer uma cirurgia em um dos joelhos, há 12 anos, e fiquei com a perna esquerda imobilizada por quatro meses. Durante esse período, fiz amizade com duas muletas que, aos poucos, foram me abandonando, à medida que me recuperava. Na época, as possibilidades de fazer compras online em supermercados eram mínimas. Eu morava sozinha, na região central de São Paulo e, mesmo com acesso facilitado a diversos estabelecimentos, era extremamente complexo caminhar pelas calçadas quebradas e desniveladas por “apenas” 800 metros, com duas muletas e várias sacolas de compras penduradas nelas.

Nessa condição, o mais simples dos trajetos te faz suar como se você estivesse na academia, demanda tanto esforço que deve ser a mesma sensação de correr uma maratona. O corpo não está acostumado e, por isso, a adaptação se faz necessária.

Somente vivenciando contextos como esses é que nos damos conta de que nossas habilidades são ampliadas ou minimizadas de acordo com as possibilidades que o ambiente – virtual ou físico – oferece.

Será que, nos dias de hoje, ainda precisamos exigir que os clientes se desloquem para lojas físicas, por um dos produtos ou serviços não estarem disponíveis online ou o tempo de entrega ser tão superior que os obrigam a ir até a loja?

A barreira não está no usuário, está na solução não projetada para a diversidade.

Além dos contextos situacionais e temporários, existem pessoas que convivem com o comprometimento de uma ou mais habilidade, seja (m) ela (s) sensorial, física, intelectual ou mental.

A necessidade de adaptação ao ambiente varia de pessoa para pessoa. E é esse ambiente que precisa permitir acesso, independentemente do recurso assistivo utilizado. No final das contas, somos nós, humanos, que decidimos o quão acessível esse ambiente será. A tecnologia é apenas um facilitador.

Pessoas cegas vivem o mundo por meio da audição, do tato e do olfato. Para o cenário virtual, é necessário um software leitor de telas (existente em celulares, tablets e computadores). A população com baixa visão necessita de soluções parecidas, com o acréscimo do uso de recursos visuais de maneira parcial, dispositivos que ampliam a tela e lupas de aumento. Daltônicos podem nos direcionar para soluções criativas e caminhos para feedbacks além das cores.

Surdos-cegos utilizam ferramentas que permitam o acesso e interação com o ambiente, como display braile e Libras tátil. Pessoas surdas ou com deficiência auditiva “conversam” com as mãos ou por meio de expressões corporais e podem ter habilidades visuais inacreditáveis. O uso da língua de sinais é a forma mais efetiva de compreensão e entendimento das informações.

Alguns autistas se concentram para solucionar questões com muito mais facilidade em relação a outras pessoas. Quanto mais tranquilidade o ambiente tiver, maior o desempenho deles.

E os 60+? Temos somente duas certezas na vida: a de que um dia morreremos e a de que, se vivermos além dos 50 anos, precisaremos reorganizar nossas habilidades. Os sentidos não serão os mesmos. O comportamento das pessoas, a forma de aprendizagem e a tecnologia, muito menos. Em 2030, teremos mais adultos do que crianças e adolescentes nessa Terra. Dessa forma, todos consumiremos soluções por meio da acessibilidade, agora ou num futuro próximo.

Estes são apenas alguns exemplos pertencentes à condição humana. Há muitos outros.

A resposta para essa grande questão é que, para progredir, precisamos conhecer outras realidades além das nossas. A única forma de descobrir é conviver, e a chave para isso é a diversidade. Quanto mais diverso o ambiente, mais inclusivo e, logo, mais acessível. Essa, por sinal, é a força motriz da minha atuação dentro do Bradesco há 13 anos: entregar jornadas inclusivas para minimizar as dificuldades que as minorias encontram cotidianamente.

As habilidades comprometidas dão novas e inúmeras possibilidades de explorar a vida. Os atores sociais que desenvolvem as soluções precisam conhecê-las suficientemente para se anteciparem às barreiras enfrentadas pelas condições do ambiente. Soluções são projetadas de pessoas para pessoas. Se estabelecermos esse princípio, nunca deixaremos ninguém de fora.

Claudiene Mortimer é líder em Acessibilidade e Inclusão Digital no Bradesco, com mais de 7 anos de experiência na implantação de projetos digitais acessíveis. É formada em Comunicação Empresarial (UNICID - Universidade Cidade de São Paulo) e pós graduada em Diversidade e Inclusão (MAUÁ - Instituto Mauá de Tecnologia) e estudante do curso de pós graduação e UX Design & Strategy pela (FIAP).

"Criar soluções que alcancem a todos, com respeito às singularidades de cada um. A gente consegue juntos."