Venha refletir sobre educação e linguagem.
Minha querida e saudosa avó, Dorcas Rodrigues, foi a moça do café. Durante grande parte da sua dura vida, serviu cafezinho numa empresa no centro de São Paulo.
Tenho uma breve lembrança dessa época. Quando era criança, fui passar um dia no trabalho dela. Ela usava um avental azul e cuidava com amor e zelo da lustrosa panela de alumínio que fervia a água. Depois passava num grande coador de pano aquele cheiroso café, e levava numa bandeja de alumínio as xícaras e pires brancos, lindamente enfileirados, esperando as mãos de homens que discutiam coisas estranhas aos meus ouvidos de menino. Foi assim que ela sustentou uma casa e seus filhos. Quando criança ela perdeu parte da visão, o que aparentemente aumentava a sua dificuldade. Nunca se abalou. Divorciada na década de 60 (traída por um marido com poucos escrúpulos), guerreira e alegre. Tocou sua vida com muita fibra e disposição.
Ela nasceu na década de 20, há quase um século, na roça, onde se criou com seus outros doze irmãos. Se alfabetizou na vida, como muitos outros brasileiros.
Fico imaginando minha avó numa empresa hoje. Será que ela entenderia o jeito como você e sua empresa se comunicam? Será que o pessoal do café, os porteiros e grande parte da população da sua empresa sabe o que você diz?
A empresa é um retrato social do país, então para ilustrar essa conversa vale um breve recorte com dados oficiais. Segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sete em cada dez alunos do 3º ano do ensino médio têm nível insuficiente em português e matemática. Entre os estudantes desta etapa de ensino, menos de 4% têm conhecimento adequado nestas disciplinas.
Assim, quando observo o jeito que as empresas e pessoas – que muitas vezes cuidam das políticas relacionadas aos funcionários - se comunicam, fico preocupado. Como já não bastasse o problema com a nossa língua mãe. Há uma infinidade de palavras em inglês que invadem diariamente o mundo dos negócios. Uma enxurrada, por muitas vezes, sem critério.
Fiz uma colheita no linkedin e nos cartões de visita, para ilustrar. Veja alguns exemplos: Human Resources (HR), Head of Operations, Community, Diversity, Sales, Entrepreneur, Speaker, Founder, Life long learning, Recruitment Specialist, General Management, Head Business Unit, Talent Acquisition, reskilling, team building, lifewide learning, Assessment, hard skill, soft skill, etc.
Acreditem, não sou contra as palavras em inglês. Há muitos termos que foram incorporados por nós. Mas, todos a sua volta entendem? Por exemplo, não é linda e clara o suficiente a expressão “Aprendizagem ao Longo da Vida”? Por que, então, life long learning? Esse termo atende a qual necessidade? E se comunica com quais pessoas?
Sempre lembro do querido e insubstituível, Ricardo Boechat, jornalista e apresentador da rádio Band News FM, que faleceu em 2019, num trágico acidente de helicóptero. Ele tinha uma história que ilustra bem essa prosa. Quando chegou a São Paulo, um repórter anunciou que o farol de um cruzamento importante da cidade estava no amarelo piscante. Daí, Boechat perguntou “O que é isso?”. O repórter disse que o farol estava quebrado, que esse era um termo comum em São Paulo. Boechat então retrucou “Da próxima vez diga que está quebrado, assim todos entendem. Inclusive eu e meus conterrâneos cariocas”.
Desse modo, fico pensando nas áreas de recursos humanos e educação das empresas. Elas conversam com TODOS – incluindo a minha avó? Ou insistem no amarelo piscante?
Por Alexandre Moreno, pai, educador e apaixonado por processos de aprendizagem significativos e centrados no estudante. @ale_moreno73 I @syntese_educacao I Youtube/syntesedh